segunda-feira, 12 de abril de 2010

Gabriela...

é triste, mas é verdade, na vida dela as coisas vão e vem...

aquilo que não é aquilo, mas é como se fosse aquilo, gasta o que já acabou, e o teor do retorno vem como fel, pra não dizer mais e nem pior...

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chegou como se estivesse entrando no paraíso, mas logo na portaria, tinha uma daquelas pessoas que cismam em tomar conta da vida alheia e foi logo se intrometendo, perguntou de onde veio, para onde queria ir, disse que ali não era lugar para estar, que era tarde, que ela teria que fazer a sua própria comida, perguntou quantos anos a forasteira tinha, se os seus filhos a acompanhavam, perguntou se ela tinha vícios, se gostava de café, quanto era o seu rendimento mensal, se era viúva, por que não estava acompanhada... e mais outras tantas mil perguntas. A "porteira" parecia uma espécie de poste, alí, esquecida do mundo, contando de tudo, acompanhando as corujas.
Tinha o aspecto de uma quase bruxa, daqueles de conto de fadas, mas não enganava muito. Embora fumasse muito e tivesse todos os dentes muito amarelados, suas vestes não eram tão incomuns, poderia se passar por alguém, desde que se mantivesse calada. O seu hálito não era o que se podia chamar de bom.
Os seus olhos mantinham um brilho tímido, parecendo estar ali somente para afirmar a beleza daquele corpo em tempos remotos... como para confrontar com aquilo que se plantou nem na entrada e nem na saída, em lugar nenhum. No meio do caminho.
Se houvesse algum comentário, seria esse, uma pedra no meio do caminho, um troco seco crescido, daqueles que incomodam, mas ninguém nota ou se dá ao trabalho de mudar, pois não servem nem para a sobra e nem para lenha.
E a menina viajante de pele quase branca, um pouco amarelada pelo sol, permanecia na entrada do paraíso, impaciente, mas respondendo com o pouco de energia que lhe restava a algumas das perguntas daquele ser estranho parado à sua frente barrando a passagem.
Enquanto tentava vencer pelo cansaso a quase bruxa porteira, Gabriela se perdia em lembranças...

... Algo naquela senhora a fazia pensar no que foi a sua vida até aquele ponto. Lembrou-se de quando saiu de casa pela primeira vez. Foi e voltou, não por vontade própria, mas pela doença de sua mãe, que veio tão rápida e avassaladora quanto fora. Foi Gabriela colocar o pé na estrada, literalmente, para que a sua mãe caísse em moléstia profunda, e bastou ela colocá-lo novamente em casa para que tudo se resolvesse como mágica, a doença se ia como poeira. Na época, com apenas 15 anos, se culpava por tudo, manteve o medo da morte, medo do amanhã, medo da estrada e do desconhecido, mas agora, passado alguns anos, isso não a limitava tanto mais. Depois de tantas perdas, ela enfim percebeu que as pessoas se vão e que querendo ou não, a vida continuava. Era somente isso. Então como que por vontade súbita, resolveu fazer, ir, seguir a sua vida. E agora ela se lembrava daquela face pálida que ela outrora deixara para trás. Não sentia dor, não sentia remorso... era estranho tudo aquilo, era como se aquela figura fosse um pouco o que ela lutou para deixar durante anos... Metade do tempo e da paciência que nutria por aquele momento se devia a esse fato.

Depois de muito que tentou, resolvei se deitar por perto da figura que te causava tanto. Deitou e chorou, timidamente chorou!
Chorou pela distância, pela metade do que um dia foi, que agora já não era mais, pela outra metade que virou nada. Chorou pela liberdade que ela julgava ter, mas que era só chuva, dor e alfinetes.
Gostava de viver pelos caminhos, conhecendo lugares, coisas, pessoas, mantinha viva a impressão de que tudo esteve guardado o tempo todo para ela, mas depois daquele momento não se sentia mais dona de nada... Teve vontade de ligar, mas passado tantos anos, talvez nem fosse mais o nesmo número, talvez do outro lado uma voz desconhecida tivesse o desprazer de anunciar o pesar... pensou tanto que pensando dormiu!

Dormiu e ainda dorme... esperando um dia acordar no paraíso.

(...)

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